13.5.14

O que houve com a revista em quadrinho de banca?

Lembro de quando era garoto e sempre que meu pai me levava para cortar o cabelo passávamos antes na única banca de revistas da pequena cidade onde morava para comprar uma edição qualquer. Podia ser da Turma da Mônica, Recruta Zero, Brasinha, Luluzinha... As opções eram muitas e o preço acessível, mesmo para um garoto que tinha pouquíssima grana a disposição. E quando digo pouquíssima me refiro não só ao trocado do corte de cabelo, mas também ao do lanche da escola, guardado semanalmente, até juntar o suficiente para adquirir a tão desejada HQ.

Outra maneira de se conseguir revistas era através de troca no sebo do Santana, um senhor gordo e atarracado que vivia assobiando músicas de Luiz Gonzaga. Lá eu podia encontrar antigas edições de Superaventuras Marvel, Heróis da TV, Calafrio, Mestres do Terror, Spektro, Tex e muitas outras que fizeram parte da minha coleção. A primeira revista do Conan que eu li, (ESC #3) e Calafrio (#22) eu comprei lá a um precinho camarada.

Durante boa parte da minha vida as HQs dominaram as estantes das bancas. Infelizmente, hoje a realidade é outra.

Para se achar HQ nas bancas atuais é preciso ter a elasticidade de um contorcionista e a paciência de um arqueólogo, pois em algumas bancas elas estão posicionadas nas estantes mais baixas, geralmente debaixo de revistas de moda, culinária, fofocas de novela...

Já cheguei ao cúmulo de ter de perguntar ao balconista se não havia HQ ali, de tão difícil que estava achar as edições.

Onde eu acho HQ aqui?
Opções ainda tem bastante, mas o quadrinho hoje se elitizou, com papel de melhor qualidade e capa dura, alguns chegando a custar mais de R$ 100, um absurdo para um país onde algumas cidades chegam a ter renda per capita de míseros R$ 172 mensais. A maioria das boas HQs passaram a ser item de colecionador, vendidas em lojas especializadas, deixando para as bancas de rua apenas mais do mesmo, e mesmo assim a um preço que não vale a pena pagar para ler apenas uma HQ de interesse, o restante se limitando a ser “tapa-buraco”.

Mas de certa forma essa “elitização” dos quadrinhos deu um novo sopro a HQ nacional, que havia entrado em coma no final dos anos 80. O crowdfunding, modalidade que consiste em uma arrecadação coletiva para financiar determinados projetos, se tornou popular entre os quadrinhistas, geralmente através do site Catarse. Para quem não sabe como funciona, vou explicar: o sujeito cria seu projeto de HQ, faz um orçamento de quanto vai precisar para fazer a edição (incluindo aí pagamento de desenhista, colorista e impressão) e divulga esse projeto no referido site, estipulando o valor do orçamento como meta a ser atingida. Geralmente brindes são oferecidos como incentivo a quem cooperar, que vão de sketchs autografados pelo desenhista até páginas originais da revista.

Mas aí vem outro problema. A “elitização” criou um paradoxo: se a edição sai em papel jornal e capa mole o leitor reclama da qualidade. Se sai em papel couchê e capa dura, reclama-se do preço. Com isso o sujeito que tem seu projeto de HQ fica num dilema.

Então, para satisfazer o leitor exigente, o editor investe no material de alta qualidade e o que se vê no site são projetos que necessitam de uma arrecadação exorbitante para ser posto em prática, e geralmente, para se ter direito a uma edição impressa da revista (o objetivo principal de quem se dispõe a bancar esse tipo de projeto) é necessário fazer uma doação alta, nem sempre compensada pela qualidade do desenho ou do roteiro. Alguns alegam que devemos cooperar apenas para apoiar o quadrinho nacional e fomentar o mercado. Mas nem sempre dispomos de R$ 50 ou mais para fazer tal coisa. Até hoje apoiei apenas um projeto no site e isso porque a edição era muito do meu interesse. Além do mais, pelo volume do álbum e a qualidade do material (223 páginas, 23 x 31 cm, capa dura, papel couchê 150g, impressão primorosa, ótimos desenhos e informações e ainda acomodado em um belo e resistente slipcase) o valor era mais do que baixo (R$ 60).

Já vi bons projetos naufragar no site, mesmo tendo por trás pessoas conhecidas tanto no mercado nacional quanto internacional. E atribuo o naufrágio a essa “elitização”. Pergunto: a revista popular, a preço acessível, morreu? Será que qualquer revista hoje necessita de capa dura, papel de altíssima qualidade, capas variantes, neon nas bordas, confete e serpentina ou qualquer outra tralha que só serve pra aumentar o preço de capa? Acredito que não. Pra mim basta um roteiro bom e honesto e desenhos legais em uma revista de preço acessível. Abro mão de qualquer brinde, desde que eu tenha a revista impressa em minhas mãos para folhear, ler, reler, sentir o cheiro da tinta, apreciar os detalhes de cada quadrinho e as sacadas legais do roteiro.

Peço encarecidamente aos editores que continuem lançando suas edições com boa impressão, bom papel e, principalmente, ótimos roteiros e desenhos. Mas tenham bom senso! Atentem-se a realidade do país e dos leitores que aqui sobrevivem! Perguntem-se antes se suas revistas valem o preço que vocês querem cobrar. Se descobrirem que não, refaçam as contas, procurem novos orçamentos com outros materiais, tornem o preço acessível, vendam e façam o mercado se reaquecer e os preconceitos serem varridos para debaixo do tapete.


Vida longa ao quadrinho nacional!

6.4.14

Entrevista - ELMANO SILVA (MANO)




Por favor, diga seu nome completo, idade, onde nasceu e onde mora atualmente.
Elmano Silva Santos, nasci em 21/04/1942, cidade do Recife-PE. Moro em Joinville/SC.

Qual o primeiro contato que você teve com os quadrinhos?
Desde que aprendi a ler (praticamente sozinho) aos cinco anos de idade. Revistas que meu pai comprava como Tico-Tico, O Malho e os gibis que o meu irmão (seis anos mais velho que eu) também comprava e colecionava, como Fantasma, Edição Maravilhosa, Guri e todas as maravilhosas publicações daquela época de ouro, sem falar dos almanaques nos finais de ano. Eu gostava de colecionar gibis do Tarzan e Fantasma.

Revista MEDO #3,
Press Editorial.


Qual, onde e quando teve sua primeira HQ publicada?
Revista SPEKTRO nº 11 da Editora Vecchi (RJ) em 1979, uma HQ de 12 páginas, “A Vingança de Sinhá Preta”. Após ficar quase 2 anos engavetada pelo editor Otacílio D´Assunção Barros, o Ota, por achar que os leitores não iriam gostar de um gênero que fugia do que era comumente publicado: Drácula, Lobisomem, Múmia, etc. Mas, quando resolveu publicar, numa pesquisa feita na época, o meu nome (ainda assinava Mano) ganhou disparado no gosto dos leitores. 




Você fez algum curso técnico para aprimorar o traço?
Não. Sempre fui autodidata. Em 1974 tentei fazer um curso de Desenho Artístico (no Senac-RJ) mas o professor, que entendia mais de desenho industrial e um outro que era pintor e amigo do professor, ao ver alguns desenhos que fiz numa aula, me aconselhou a continuar o que eu estava fazendo, ou seja, praticar em casa, ao invés de perder meu tempo nesse curso. Daí continuei observando os grandes mestres e lendo livros sobre pinturas, desenhos e tudo que pudesse me ajudar tecnicamente no desenho.

Quais são suas principais influências nas HQs?
Influências acho que nenhuma. Tenho sim admiração pelas técnicas de muitos desenhistas, seja no traço, hachuras, luz e sombra, cores, etc. Posso citar Percy Lau, OswaldoStorni, Hal Foster, Alex Raymond (os mais antigos) e Moebius, Caza, Gal, Hermann Huppert, os mais recentes. Como pode perceber, atualmente curto mais os quadrinhos europeus.

Você produziu muito na época de ouro da HQB (décadas de 70 e 80), em editoras do porte da Vecchi, Press, Maciota e Grafipar. Como era publicar HQ nesse período de recessão econômica?
Era “matar um leão por dia”. Eu havia largado o meu último emprego burocrático (como Assistente Administrativo) num órgão do Ministério da Saúde e, em 1978, tirei a minha carteira de autônomo. O meu chefe achava que eu estava louco. Alternava minha arte no teatro e TV (eu também sou ator profissional) e ganhava uns trocados fazendo retratos de pessoas conhecidas. Esse incentivo veio quando ganhei em 1976 uma Menção Honrosa com dois desenhos que fiz para uma Mostra de Salão de Inverno de Petrópolis (RJ) e uma menção Honrosa num Concurso de Dramaturgia no mesmo ano. Daí passei a acreditar que o meu caminho era a arte.


Você saberia responder quanto ganhava naquela época em média (em valores de hoje) por página?
Essa resposta vai ser difícil de responder. Por exemplo, na Vecchi, eu também colaborava para outras revistas dessa mesma Editora. Fiz todas as capas da Killing, uma espécie de fotonovela policial. Ilustrei muitos contos e artigos de publicações como Grande Hotel, Carícia, Jaques Douglas, etc.


Sem desmerecer nenhuma, mas qual editora você mais gostou de trabalhar?
Posso dizer que de todas. Em especial a Editora Vecchi, pelas amizades que fiz com  desenhistas como Julio Shimamoto, Watson, Flavio Colin, Ofeliano de Almeida e as lembranças de uma época também difícil mas, que a duras penas, você conseguia publicar seus trabalhos profissionalmente.

Nossa Senhora Aparecida em Quadrinhos.
Assim como alguns desenhistas das décadas de 70-80, como Rodolfo Zalla e Eugenio Colonesse, você também produziu capas e ilustrações para livros didáticos?
Para livros infantis, não didáticos. Fiz alguma coisa para a Ao Livro Técnico (RJ) e capas e ilustrações para revistas da Embratel. Também em parceria com o Júlio Emílio Braz que fez o texto e eu adaptei para HQs. Para a Editora Vozes (Petrópolis-RJ) ilustrei os álbuns sobre a vida de alguns santos católicos: Nossa Senhora, Santo Antonio e Nossa Senhora de Aparecida.

A nova versão da SPEKTRO,
da Ink Blood Comics.
Sua participação na saudosa revista SPEKTRO era muito apreciada pelos leitores e recentemente Fábio Henrique Chibilski, diretor da Ink Blood Comics, relançou essa revista. O que você acha dessa iniciativa? E teria interesse em participar?
Acho importante. Qualquer iniciativa para lançamento de HQs nacionais, de forma profissional, deve ser feita. Ele havia me contatado para participar, mas infelizmente eu estava numa fase pessoal difícil e falei para deixar para os próximos números. Claro que eu tenho interesse em participar. Gostaria até de saber como foi a aceitação da nova Spektro entre os leitores.

Uma boa fonte de renda dos desenhistas atualmente são as chamadas “comissions” (desenhos feitos sob encomenda). Você venderia algum de seus originais da SPEKTRO ou de qualquer outra revista?
Luiz Gonzaga -
lápis de cor sobre papel.
As "comissions", desenhos sob encomenda, posso fazer, sim, desde que não seja HQs para super-heróis e sem um prazo apertado. Já fiz muitas pinturas e desenhos de retratos como os que postei no Facebook, alternando com a produção de HQs, tudo sob encomenda. Estou na produção do novo álbum do Silas e não espero desviar meu tempo para algo que não compense. Já perdi anos colaborando gratuitamente para produções independentes. Quanto aos originais da SPEKTRO, não tenho nenhum interesse em relançar trabalhos antigos. Todos os originais eu destruí há anos. Tenho todos os exemplares com os meus trabalhos publicados. Fiz muitas mudanças de casa em minha vida e sempre que posso, vou me desfazendo das tralhas. revistas, livros, CDs, DVDs... Quero publicar NOVOS TRABALHOS, minha nova fase...

Uma pena saber que não existem mais os originais. Não ficou nenhum pra contar a história?
A capa do álbum "Os Marginais" acho que essa eu devo ter o original que escapou de ser destruída e a capa de "Silas Verdugo, O Homem do Patuá - A Origem" que é uma tela pintada em acrílico. Dessas duas edições restavam cópias que enviei para a Marca de Fantasia, DEPOIS de ter ido à uma editora em São Paulo e esperado serem publicadas por quase um ano. Senti enrolação do editor que quase não me devolveu o material. Essas cópias não foram destruídas por mim quando as consegui de volta, por causa de minha mulher que escondeu as mesmas e prometeu só me entregar se eu não destruisse esse material. Passada a minha fúria, pensei com calma sobre os meses de trabalho e resolvi enviar para a Marca as xerox dos 2 álbuns que foram publicados. Resumindo, um puta trabalhão que saiu de graça. Entende porque eu cheguei agora à essa conclusão, certo?

Agradeça sua esposa por mim, por ter salvo esses originais, tá (risos)? Falando em Silas Verdugo, o “Homem do Patuá” é um dos seus personagens mais conhecidos dos fãs da HQB. Como surgiu esse personagem?
O Silas Verdugo, em parte, sou eu. Quando jovem, morando no interior de Pernambuco, costumava fazer caçadas com o meu avô, Major Sinval, médico farmacêutico, poeta, figura folclórica de Caruaru, terra dos meus pais. Eu usava uma espingarda de carregar pela boca, simples (às vezes o meu avô me emprestava a dele, de calibre 12) o bisaco, (alforje), chapelão e capa nos dias frios. Quando comecei a produzir HQs, me veio a idéia de um personagem justiceiro na época do cangaço. Como sou ator, resolvi me servir de modelo para ele. O nome Silas veio de um grande amigo, colega de colégio que, após ser preso, sumiu na época da ditadura. É uma espécie de homenagem que presto a ele.

Edição especial do Homem do Patuá,
por Eduardo Cardenas.



Verdugo também teve uma edição especial em formato digital feita por Eduardo Cardenas. Você teve participação nessa obra-homenagem?
Não. Ele me pediu autorização para fazer essa edição. Ontem mesmo me enviou Xerox desse trabalho. Fez uma versão diferente do Silas que eu criei, em termos de narrativa, indumentária, etc. O Eduardo é um desenhista versátil e um grande amigo que conheci no Festival de HQ de Aracaju, para o qual fui convidado e muito bem recebido. Gente legal mesmo!

Seu personagem também teve um álbum publicado pela editora Marca de Fantasia em 2010, na Série Repertório, contando sua origem. Você trabalhou sozinho nessa edição?
Sim. Sempre escrevi os roteiros de minhas HQs. Com exceção de uma edição especial que o Ota publicou  no tempo da Vecchi, sobre Macumba e as vidas de santos pela Vozes, que citei acima nesta entrevista, sempre trabalhei com os meus roteiros. No álbum “A ORIGEM”, publicado pela Marca de Fantasia, que conta como surgiu o Silas Verdugo, o roteiro também é meu. Já estou produzindo “AS BRIGADAS”, que é a continuação desse álbum. Sem prazo para concluí-lo, uma vez que estou fazendo em aguada e isso é uma técnica que requer mais tempo que o desenho feito somente a nanquim.



Outro material interessante é o álbum Os Marginais, que também saiu na mesma Série Repertório, da Marca de Fantasia. Do que se trata esse trabalho?
São duas histórias sobre um marginal chamado Bituca AR15 e outra sobre violência urbana, drogas e essa situação que cada vez vai se tornando pior.

Voltando ao gênero terror, o que era o Trio Diabólico?
O Trio Diabólico ainda É! É formado pela Sinhá Preta, o menino Aparício (protegido da Sinhá Preta também por um forte patuá) e a terrível, indestrutível Besta-Fera, cria do demônio com uma criada de um malvado coronel poderoso. Se você vir esse Trio, mude de caminho e não olhe para trás (risos)!

Trio Diabólico!
Você sempre usou essa temática regional, notadamente a nordestina, em suas HQs, mesmo a contragosto de alguns editores. Porquê?
A contragosto no princípio como expliquei acima. Mudei o gênero de terror no Brasil. Amo de coração o meu nordeste. Vivi parte de minha infância e adolescência no interior do nordeste e convivi com aquele povo e já era de minha natureza observar, escutar histórias, ver os cantadores nas feiras, os personagens mais estranhos e tudo isso me inspirou no futuro. Tem aquela frase do Dostoiéviski: “Quando cantares para o mundo, fala de tua aldeia”. E é justamente isso que eu faço. Pesquiso tudo sobre cangaço, tenho farto material sobre cangaço, folclore nordestino e como já falei, amo o meu nordeste! Mesmo com todos os problemas é rico em seu folclore e arte. As lembranças estão gravadas em minha mente: as caatingas, serrados, barreiros, vegetação, casas por onde pernoitei e, principalmente, o povo daquela época. Hoje, a TV globalizou e acabou com algumas tradições. Há muito artificialismo, infelizmente...

Você chegou a publicar nas revistas da extinta e saudosa Editora D-Arte, do mestre Rodolfo Zalla?
Não me lembro de ter colaborado com a Editora D-Arte. Penso até em fazer um trabalho para o Zalla. O Shima e o Eduardo me falaram para que eu mandasse HQ para ele.

Ainda mantém contato com os profissionais dessa época?
Somente o Shima. Quando vivo e ainda morando no Rio, o [Flávio] Colin me ligava pedindo dicas sobre detalhes de objetos e coisas do Nordeste. Com o Watson [Portela], tivemos  contato por cartas anos atrás.

Saindo um pouco do tema terror, você também fez sci-fi, faroeste e infantil, certo? Cite alguns títulos dessa safra.
Fiz para a Vecchi, na segunda fase da Spektro em 1993, algumas HQs Sci-Fi como “O Lodo da Morte”, “El Justo - O Capitão-do-Mato”, “A Ilha da Agonia”, “A Praga”, “Gosma”, entre outras. Para a Icea, (uma editora de Campinas) fiz “Goran”. Para a Grafipar, “Xendra - A Inseminadora”. No gênero faroeste, “El Condor” para a Press Editorial e para a editora independente  Júpiter II. No gênero infantil publiquei pela Júpiter II quatro números do meu personagem ecológico “Krahomim”, um indiozinho defensor da natureza e dos animais.


Você também acumula muitos prêmios artísticos em salões e convenções pelo mundo afora. Cite alguns.
No Salão Carioca de Humor (RJ) ganhei desde Classificação, Menção Honrosa, Primeiro, Segundo e Terceiro Lugar. Em Portugal, no Salão Moura de Humor, ganhei também duas Menções Honrosas. Ao todo, em meu currículo, tenho dezessete prêmios. O maior de todos para mim é  saber que, com meus trabalhos, conquistei fãs pelo mundo inteiro, até na Alemanha. Isso é que me dá ânimo para continuar essa jornada.

Fora dos quadrinhos você trabalhou para a TV no programa Chico Anysio Show. Conta pra gente sobre esse trabalho.
Como ator (e também cantor profissional) eu havia participado de um musical em 1982 “Mame-o ou Deixe-o” (o título seria “Brasil, Mame-o ou Deixe-o”, mas a censura cortou a palavra Brasil). No elenco estava Alcione Mazzeo, ex-esposa do Chico. Ficamos grandes amigos e, quando seu filho, Bruno Mazzeo, aniversariava eu fazia os convites e ia ao aniversário dele. Em 1985 ela me ligou dizendo que o Chico ia me ligar. Ele queria um desenhista para criar charges, ilustrando as notícias no quadro que ele fazia: Jornal do Lobo. A Kombi da Globo veio me apanhar em casa. Eu morava em Ipanema. Na Cinédia, fui direto para uma sala fazer as ilustrações. Eu havia levado uma bolsa com todo o tipo de material para desenho que eu tinha. Ao sair, ele me perguntou se eu queria fazer o personagem do Kid Farsante, no quadro do Bronco Billy, uma sátira aos filmes de faroeste classe C. Aceitei de cara e comecei a trabalhar fazendo as charges e atuando como o Kid Farsante. Como também escrevo, fiz um texto para o Bronco Billy que o Chico aprovou e mandou gravar. Daí por diante comecei a trabalhar no Chico Anysio Show, como ator, desenhista e roteirista. Foi uma fase legal e mais uma experiência em minha vida. Depois mudei para a Barra da Tijuca e, na época, sem telefone e  distante, fiquei afastado de tudo. Também não quis me tornar ator de um gênero só na TV como também não consigo ficar sem criar minhas HQs, pinturas, etc.

Ultimamente você anda afastado das HQs?
Não estou afastado. Produzi muita coisa para editoras independentes, mas já estou descartando esse tipo de trabalho. Foram quatro experiências desse tipo que nada me renderam, além de ingratidões que já esqueci. Continuo, como já falei acima, trabalhando em novos projetos e espero apenas uma proposta legal para voltar a publicá-los. Sou aposentado por tempo de serviço desde 2003, o que me dá uma certa folga para fazer o que eu quero, o que não podia fazer antes, tipo pintar, me dedicar mais a produzir álbuns sem prazo definido, etc. Enfim, agora sou dono do meu nariz e não quero voltar a “matar um leão por dia” para sobreviver. 
Mané Ula, inimigo mortal
de Silas Verdugo.

Fique a vontade para expressar suas considerações finais.
Gostaria de ver mais leitores interessados em gibis comprados nas bancas e nada virtual. Uso computador para não me tornar um “jurássico”, mas prefiro a revista impressa, com aquele cheiro de gráfica, o prazer de virar as páginas e observar os detalhes sem ter que ficar diante de uma tela. Sobre a entrevista, espero que tenham gostado das respostas. Um grande abraço!

Mestre Elmano, foi um grande prazer conversar com você e saber um pouco mais sobre sua vida. Muito obrigado!



Facebook de Elmano Silva.
"Silas Verdugo, O Homem do Patuá - Sertões de Fogo", de Eduardo Cardenas.

24.6.13

Matéria-denúncia sobre a 2ª Brasil Sul Comic Con

O principal objetivo desse blog sempre foi ajudar a HQB que, como todos sabem, raramente recebe patrocínio, sobrevivendo apenas do esforço, dedicação e, muitas vezes, investimento financeiro dos próprios artistas. De uns tempos pra cá, eventos de quadrinhos se tornaram comuns Brasil afora, abrindo as portas de editoras do Brasil e de outros países para os artistas que se destacam no mercado. Mas se para alguns profissionais os eventos de HQ se tornaram motivo de estímulo e alegria, para outros causaram apenas constrangimento e frustração ao se depararem com falta de organização, descaso e amadorismo por parte dos organizadores. Abaixo, vocês lerão um texto elaborado pelo quadrinhista e editor Carlos Henry e depoimentos de artistas convidados a participar do malfadado evento denominado 2º BRASIL SUL COMIC CON, realizado em janeiro de 2013 em Porto Alegre-RS.

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"Caros Amigos.
Sou quadrinhista, autor do Lobo-Guará, editor do selo Excelsior Webcomics e junto com os também quadrinhistas Denílson Reis (grupo Quadrante do Sul) e Fernando Damasio, fomos convidados para participar em janeiro de 2013 da “2ª BRASIL SUL COMIC CON”, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Fomos convidados pelo curador Leonardo Albuquerque.
Este “evento”, de tão precário, é uma vergonha e nem pode ser considerado no meio de outros das HQs. Nós três (Denílson, Fernando e eu) "comemos o pão que o Diabo amassou”, de tanto descaso, tanto para conosco, quanto para o público. Tudo está relatado aqui.
Em resumo: muito descaso, desde alimentação e condução ao evento, falta de comunicação do curador no Hotel com os convidados palestrantes. Prometeu-se que o pagamento das palestras de cada autor seria efetuado dentro de 15 dias. Só que passado já 5 meses, os autores NADA receberam. 
O curador, Leonardo Albuquerque joga a culpa na Prefeitura de Porto Alegre, que também não se manifesta. Diz somente que “o processo contra a Prefeitura de Porto Alegre está tramitando na justiça, para pagar o artistas”. E só dá informações quando os artistas prejudicados entram em contato. E assim vai se levando infinitamente...
Gostaríamos que este descaso não passasse em branco e do apoio dos colegas da classe quadrinhística, divulgando em sites, blogs, facebook, fazendo matérias, etc... Também para que outros autores não caiam nesta furada, agindo de boa fé.
Obrigado pela atenção!

DEPOIMENTOS DOS ARTISTAS PALESTRANTES:

Alex Doepre, Carlos Henry e Denilson Reis.
DENILSON REIS, roteirista e editor do fanzine “TCHÊ”, "QUADRANTE SUL” e “PERYC, O MERCENÁRIO”
“Em novembro fui convidado pelo Leonardo de Albuquerque para participar de um evento que ele denominou de 2ª Brasil Sul ComicCon. Comentou que estava organizando um grande evento, "o maior do Sul do país" - nas palavras dele - e queria que eu e o Grupo Quadrante Sul, que somos responsáveis pelo Mutação na Feira do Livro de Porto Alegre participássemos. Chegou falando da vinda de Mike Deodato e que teríamos um cachê de participação. Aceitei participar, até para poder estar em um "grande" evento e poder divulgar o meu trabalho. Tudo muito bom, tudo muito bem e até fiz um material de divulgação nos sites de quadrinhos e tal. Chegando no dia do "evento" percebi que estava a maior desorganização. Não havia um local adequado nos esperando, tivemos que montar tudo por nossa conta e ir se arranjando nos espaço. Procurei fazer o melhor possível, mas logo percebi que não havia nenhuma divulgação e o público sequer sabia o que estava acontecendo por ali. Ou seja, seria um "evento" sem a mínima divulgação. E como poderia ter público se as pessoas sequer sabiam o que estava acontecendo por ali? Além da infraestrutura que foi montada na hora e a falta de divulgação, também não havia perspectiva de receber a ajuda de custo para o deslocamento ao local e a alimentação. Teve um dia que tivemos que vestir uma camiseta de voluntário do evento, embora fossemos convidados do mesmo, para poder pegar uns “pilas” para comprar um lanche, muito chato e constrangedor. De qualquer forma, fui correto e participei do evento conforme o combinado, até para poder ter direito a receber o cachê combinado, e olha que não era nenhuma fortuna, apenas uns "pilas" para poder imprimir depois alguns fanzines. O maior problema para mim é que até o momento não vi um centavo do que foi combinado e o Senhor Leonardo andou postando umas mensagens dizendo que não vai mais se manifestar sobre o assunto e que tudo foi parar na justiça, sendo que não temos maiores e nem menores informações sobre o tal processo que a associação da qual o Leonardo faz parte fez contra a Prefeitura de Porto Alegre, que ele diz ser a vilã deste problema. Tudo muito lamentável!”

Carlos Henry e Cris Peters.
CRIS PETERS, colorista da Marvel Comics
“Muitas são as pessoas que podem lhe oferecer convites para palestrar ou participar de eventos, e até mesmo lhe oferecem um cachê para que participes. Mas como acreditar, ou pressentir que na verdade esse convite não deve ser aceito? Como saber se o tal evento citado não será um vínculo desvantajoso? Como saber se não irão lhe passar a perna?
Venho aqui contar uma "historinha" e espero que seus detalhes ajudem todos a detectar uma furada.
Fui convidada para um tal "evento". Tudo nele me cheirou a furada desde o princípio. Mas mesmo assim quis dar o benefício da dúvida, infelizmente meu primeiro instinto estava mais do que correto. O evento foi amador, desorganizado e o meu prometido cachê não foi e nem será pago.
Eis as dicas que recebi de que o evento não era bem organizado:
- Dica #1: Ao ser convidada recebi um panfleto extremamente amador em material copiado a xerox amassado (o que acaba denotando falta de capricho do organizador);
- Dica #2: Ao explicar que teria de cobrar um cachê, recebi uma resposta positiva e rápida demais. O organizador não tentou ao menos negociar os valores. Sabemos que quem precisa administrar uma verba em um evento não pode dizer sim a qualquer exigência de convidado;
- Dica #3: a poucos dias do evento, o organizador me comunica que eu faria DUAS participações no evento. Sendo que meu cachê anteriormente combinado era para somente UMA participação. Como estava ocupada com meu trabalho, não pude discutir esse detalhe com ele e deixei por isso mesmo;
- Dica #4: Ao chegar ao local na data do evento para entregar meu material de exposição, nada estava montado ainda. Deixei meu material e expliquei como deveria ser exposto, pois possuía uma ordem. O organizador nítidamente não prestou atenção nas minhas instruções;
- Dica #5: A tal vernissage de abertura do evento não começou no horário determinado. Quando cheguei ao local, a montagem do evento estava amadora e não encontrei ninguém da organização. Ao ver meus trabalhos na exposição, eles estavam expostos na ordem errada. Neste momento, eu aceitei que aquele evento era uma furada e que eu não seria paga.
- Dica #6: Mesmo depois disso apareci nas duas palestras que participaria. Tenho minha palavra, e iria cumpri-la. Durante as minhas duas palestras (vazias) o organizador ficou abordando pessoas que passavam pelo local tentando convencê-las a assistirem. Foi bastante desagradável. 
Enfim, no final da história, o organizador inventou uma historinha de que ele estava no meio de um processo judicial para conseguir verba para pagar os cachês, mas eu já tinha aceitado que não receberia nada. Obviamente não irei aceitar mais nenhum convite dessa mesma pessoa.
Eu recebi todos os sinais, fui em direção a parede sabendo que ela estava se aproximando e mesmo assim não desviei. Tive boa fé e isso não é um erro. Não perdi tanto tempo, não tive de viajar e conheci algumas pessoas legais.
A verdade é que é sempre importante averiguarmos o evento antes de aceitarmos um convite. Hoje, com o Facebook, podemos verificar os amigos que temos em comum com os organizadores para termos certeza de que não se trata de algum amador. Normalmente eventos com porte suficiente para pagar cachê tem site na internet e informações para serem investigadas pelo Google.
Acontece, infelizmente. Mas quem deve se sentir mal com isso sou eu por não ter sido paga, ou o organizador do evento por ter caloteado todo mundo?

Fernando Damasia, Professor Athos e Carlos Henry.
FERNANDO DAMASIO, desenhista de “RIP REGAN, POWERMAN” e “DANGER: HIGH VOLTAGE”
No começo desse ano fui convidado junto com outros artistas a participar de um evento em Porto Alegre, Intitulado de 2º Brasil Sul Comiccon. Nesse convite constava que não gastaria com nada, no hotel teria café, almoço e jantar, teríamos transporte até o evento e cada artista receberia um cachê, com o valor combinado com o organizador e com a Prefeitura. Infelizmente, nesse país, “Ordem e Progresso” só se encontra na bandeira. Fomos enganados! No hotel só teria café da manhã, não havia um transporte até o evento e não nos foi pago o cachê, viajamos despreparados apenas com dinheiro para pequenas compras no evento como: revistas, lanche, etc. No meu caso, tive que me juntar ao meu editor e amigo Carlos Henry para podermos nos alimentar, comíamos um pouco a mais no café para não dar fome na hora do almoço e quando chegávamos do evento, procuramos um mercado e rachávamos pizza, outro dia frango com polenta, e todos os dias tínhamos que dividir o táxi também. Conhecemos um amigo, Professor Athos, que percebendo nossa situação e também tinha palestras a ministrar no evento, ele pagava o táxi para ir ao evento e nos convidava para ir com ele. Passaram-se 5 meses e nosso cachê não foi pago, o organizador só nos passa que a prefeitura não teria verba, e que estão processando a prefeitura. O organizador não passa o número do processo, nem o nome do advogado. Se existe esse processo, nosso nome está no meio, é nosso direito saber como está e é dever da organização nos passar alguma coisa concreta e não apenas palavras. Fomos prejudicados, deixamos trabalhos de lado para poder honrar esse compromisso com a organização e com a prefeitura de Porto Alegre, é nosso trabalho!!! Só queremos o que é nosso por direito, nada mais. 

Carlos Henry: insatisfação com a organização do evento.
CARLOS HENRY, criador do “LOBO-GUARÁ”, “CITY OF DREAMS” e editor do Selo “EXCELSIOR”
O Brasil Sul ComicCon na verdade, NÃO aconteceu!! Faltou organização, conhecimento de causa, produção, estrutura... tudo! O curador da exposição, que aconteceria dentro do Fórum Social Mundial, era Leonardo Albuquerque, que a toda hora culpava a Prefeitura de Porto Alegre pela falta de estrutura (isso, já tendo várias reuniões anteriores com a Prefeitura). Vamos por partes:
O EVENTO(?): Chamar de ComicCon um evento que tem 2 mesas e 2 placas de madeiras como expositores, com um caricaturista (Luca Risi) e outro só com um grupo (Quadrante Sul), sem editoras, nem gibiterias, nem cartazes, nem programação visual, nem exposição decente, nem artistas de peso, nem divulgação de mídia, enfim, sem nenhuma estrutura, é uma piada de MUITO mal gosto! Não teve nada de convenção, apenas um encontro de amigos que curtem quadrinhos. HOTEL: Tudo ok, porém, se combinou que haveria “alimentação completa garantida”, ou seja, café da manhã/almoço/jantar. Uma vez que o hotel só oferece café da manhã, a alimentação acabou ficando por minha conta. Eu e Fernando Damasio tivemos que procurar um lugar mais em conta pra nos alimentar.
CONDUÇÃO: Não tinha condução do hotel para o evento e vice versa. A minha sorte e do Fernando Damasio (desenhista de Rip Regan, Powerman, do Excelsior Webcomics) foi o Professor Athos, um dos palestrantes, garantir o táxi de ida. Na volta, eu e Damasio dividíamos a corrida do evento ao hotel. O Leonardo sequer apareceu no hotel, só ficando no evento, muitas vezes sem nenhuma ocupação.
ALIMENTAÇÃO DURANTE O EVENTO: também não teve. O que aconteceu foi uma “manobra” do curador, Leonardo Albuquerque, para recebermos um cachê como “voluntários”, ao invés de “palestrantes”. Algo inconveniente e vexatório. No dia posterior, nem mesmo os voluntários estavam recebendo.
VERNISSAGE: No dia da abertura da exposição, para minha surpresa, não tinha NENHUM banner ou indicação do evento de Quadrinhos dentro ou fora do Fórum Social-Mundial, nada! Descobri por acaso que a parte de Quadrinhos ficava no piso superior e lá tinha apenas duas mesas com duas placas de madeira com artes afixadas de Luca Risi e do grupo de quadrinhistas Quadrante Sul. Uma outra placa, pintada com uma mulher de perfil e com o nome “Brasil Sul ComicCon”, estava a frente. Na parte de artes visuais, no piso inferior, a vernissage acontecia, ao mesmo tempo que se acabava de montar a exposição; algo impensável.
DIVULGAÇÃO: Só houve divulgação na semana do evento, coisa que deveria acontecer no mínimo com um mês de antecedência. Também os modelos que iriam vestidos de personagens de quadrinhos, distribuindo flyers, não foram contratados.
PALESTRAS: Uma verdadeira bagunça. Um exemplo foi que, na hora da palestra do Professor Athos, outro grupo de pessoas usaria o espaço. Resultado: quando o professor já tinha começado, teve que interromper sua palestra e esperar. Um verdadeiro desrespeito. Eu estava comprometido com duas palestras mas, na programação interna, constava meu nome em outras, sem nem eu ter sido consultado. Não havia público, uma vez que não houve divulgação interna ou nada que indicasse que estava acontecendo uma palestra ali. Apenas amigos que se encontraram pra bater papo sobre HQ. Só cumpri com as duas que havia combinado. Espero ser pago, como combinado.
LANÇAMENTOS: Na minha palestra, haveria lançamento do meu livro “Super-Brazucas - o universo dos super-heróis brasileiros” e da revista indie “Excelsior Quadrinhos”. Bom, antes mesmo do evento, o Leonardo me falou que a Prefeitura não iria comprar exemplares do livro para venda, como havia combinado antes. E somente durante o evento, ele me falou que a Prefeitura não iria fazer a impressão da revista, como combinado antes. Enfim, minha ida a Porto Alegre só valeu por ter conhecido o Professor Athos, a Cris Peter, Fernando Damasio, Darlei Nunez e o pessoal do Quadrante Sul. De resto, foi um fiasco! Sorte tiveram Mike Deodato, Emir Ribeiro e Watson Portela que foram convidados e não entraram nesta furada, já que viram que não valeria a pena...”

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O Tinta Nankin não condena nem absolve ninguém envolvido nesse acontecimento, mas segundo os depoimentos dos artistas envolvidos, amadorismo e descaso por parte da organização marcaram negativamente a cena da HQB gaúcha. O Tinta Nankin se solidariza com os artistas e espera que tudo se resolva o mais rapidamente possível. E democraticamente abre espaço para as explicações da organização do evento.

23.3.13

Entrevista: LANCELOTT



Apresente-se aos leitores dizendo seu nome, idade, onde nasceu e onde mora atualmente. 
Bem, sou Lancelott,  nascido Bartolomeu Martins. Sou “filho sol do equador”, piauiense de Parnaíba.

Como todo fã de HQs, você também começou a ler quadrinhos na infância?
Sim. Chego a dizer que foi minha escola. Nos quadrinhos aprendi a sonhar, imaginar, enfim a exercitar a mente criativa e não fui desvirtuado como se aplicaria à teoria de Whertam. Conheci Alex Raymond, Bob Kane, Lee Falk e me encantei com a arte sequencial. “Batimão” e “Rubinho” foi como ouvi antes de ler Batman e Robin, por uma senhora que as lia para mim e meu irmão.

Quais títulos te marcaram nessa época?
Flash Gordon, Jim das Selvas, Mandrake, Fantasma, Tarzan e Batman.

Os quadrinhos eram acessíveis onde você morava?
Não. Na verdade morávamos em uma área ribeirinha afastada da cidade, mas uma senhora de meia idade, Dona Luiza, comprava estas revistas, levava de presente e as lia à noite (lembro com saudade...).

Acervo pessoal e fonte de pesquisa de Lancelott.
Além de um ótimo desenhista você também escreve roteiros?
Desenhar era coisa de pequeno. No colégio já fazia as “capas de provas” de final de ano com imagens de Tarzan, Fantasma, Batman e cobrava dos colegas (hehehe!!!). Escrever foi uma decorrência de ler muito Machado de Assis e outros autores. Com o tempo passei a trabalhar para uma biblioteca e fazia resenhas de livros e ganhei o gosto para “inventar” histórias e sim, respondendo, escrevo.

Já teve trabalhos publicados em revistas no Brasil ou fora dele?
Não. Sempre desenhei mas nunca participei de qualquer publicação de grande circulação. Nos tempos de universidade fazia muitas ilustrações para livros de poesias, cartazes e publicações locais, quadrinhos institucionais, coisas assim... Enviei alguns trabalhos para a Editora D-Arte, do Rodolfo Zalla, mas não agradei. Também, não tinha técnica nenhuma, sempre fui autodidata.

E os fanzines, também atuou nesse meio?
Ah, os fanzines! Este foi o meu meio de expressar minha paixão por quadrinhos na década de 80. Mas fazer fanzines naquela época era mais paixão mesmo do que pensar em retorno financeiro, isso não existia! Tinha o QUERELA, onde publicávamos vários personagens, dentre eles EXU e SETE ESTRELAS. A publicação era mais voltada para a cultura regional, lendas e crenças. Esse fanzine, se me lembro bem, acho que ultrapassou umas 36 edições. Pena que eram de pouca tiragem e distribuídos de graça ou trocados por papel “chamex”... O zine era feito “cladestinamente” numa gráfica em que eu trabalhava (eheheh!!!), duplicado no “stencil”, coisa artesanal mesmo - papel, cola, tesoura e grampeadores. Lembro que na época cheguei a trocar zines com Joacy Jamys*, do Maranhão, mas ele se mandou cedo pro outro lado...

Vi no teu blog termos como “Orun”, “Aye” e menções a Maçonaria. Além do mais, teu personagem, Exú, é baseado no candomblé. Você é um cara espiritualizado, segue alguma doutrina ou religião? E como isso influi nas suas HQs?
Na verdade uma das minhas formações superior é Teologia (tinha um lance de querer ser frade, mas usar “saia” não bateu legal, ahahah!!). O Candomblé é uma vertente espiritual que muito me seduz e EXÚ nasceu dessa interação. Vi o tratamento do ser espiritual de EXÚ muito satanizado na cultura de um modo geral, advindo, claro, da nossa colonização cristã e resolvi resgatar sua verdadeira origem, na africana ancestralidade, dos Orixás como seres de uma crença de fé dos homens pretos... 

Aproveitando a deixa, conta pra gente sobre esse teu personagem, Exú.
Muito do quadrinho publicado no mundo inteiro sempre fez abordagens a deuses brancos e loiros e resolvi resgatar um preto para contrapor o peso da balança, por que não (hahaha!!!)? Um Orixá! Claro, não foi muito bem recebido, mesmo no zine... mesmo assim, desenhei muitas historias onde o principal eram suas andanças pelo muito dos seres físicos. Neste contexto, fazia sempre uma alusão a todo o Panteão Afro. Uma pena que eram de pouca tiragem e não me restou sequer uma edição impressa pois tive que fazer concursos, trabalhar e deixei de fazer quadrinhos marginais.

Já o Sete Estrelas tem uma verve mais nordestina, com origens no sertão.
Cordel... Aquela coisa da mítica do caboclo acreditar no fantástico, onde sua visão é mais onírica, mais colorida, mas distorcida do real convencional, mais simples e mais particular... SETE ESTRELAS foi nascido desta senda. O personagem aparecia no zine em contos ilustrados sempre envolto com o fantástico: almas, bois-da-cara-preta, cabeças de cúias, estrelas e diabos..




Agora, na minha opinião, o seu personagem mais interessante é o Catalogador. Quem é ele e como surgiu?
O CATALOGADOR? Parece até egocentrismo não é? O personagem foi uma decorrência de minha atividade de “catalogar” personagens brasileiros. A idéia com o Catalogador era possibilitar encontros com outros heróis brazucas de universos independentes diferentes sem muita explicação e/ou explicar origens, enfim, estas coisas. O personagem é aberto a todos os autores para o utilizarem em suas criações. Seria uma entidade supra temporal, cósmica (cacete... hahaha!!) que teria esse fim. O personagem surgiu no Facebook, como forma icônica mesmo, e depois de muitos pitacos dos amigos Lorde Lobo, Ataíde Braz e por fim quando o Sergio Oliveira do zine Fábrica de Monstros publicou uma HQ dele, oficiou a sua aparição, vamos dizer, física.

E quem (ou o que) são os Bengalas Boys?
Os Bengalas Boys (hahahahah!!!)?! São os Bengalas Boys! Cara, foi uma brincadeira no Facebook quando resolvi provocar a velha guarda: Tony Fernandes, Ataíde Braz, Wilde Portella, Fernando Ikoma, Alvarez, A. Moreira, Moacir Torres, Décio Ramirez, Minighthi (nunca sei escrever o nome do MINI), Airton Marcelino, Seabra, Jodil, Jolba e muitos outros. Então criei um avatar com as características de cada um. Enfim, era uma alusão a velhos autores de quadrinhos, desenhistas e fãs... OS BENGALAS BOYS! Eram homens de um mundo onde a fantasia era criada pelo simples toque da mente. As criações fantásticas de suas mentes povoaram um mundo de impossíveis possibilidades, os quadrinhos! Agora eles estão no Universo dos Quadrinhos, uma dimensão onde criadores e criaturas se tocam, mas com um detalhe: eles não sabem quem são! O ápice deste encontro deu-se no Velho Oeste (hahahahaha!!!!). Escrevi um roteiro, o Airton Marcelino desenhou e foi publicado virtualmente pelo FARRAZINE. O nome veio de uma banda do Tony Fernandes, quando ele fumava e bebia (hahaha!!!). Ah, tem também a ver com a meia-idade do grupo.


E como começou esse trabalho hercúleo de catalogar todos os personagens nacionais no blog HQ Quadrinhos?
Bem, depois do final dos anos 80 fui trabalhar e me afastei dos quadrinhos e com minha aposentadoria, 30 anos depois, voltei para minha paixão e a rabiscar, mas sem clima para sequenciar, fazendo somente pin-ups para o meu blog, HQ Quadrinhos. Comecei a pesquisar sobre quadrinho brazuca e nada ou pouca informação encontrava na web, então resolvi fazer resenhas mnemônicas sobre personagens e publicar para registro e como tributo aos autores. Fiz um Catálogo de Heróis Brasileiros sem qualquer intenção acadêmica, registrando personagens de todo canto do Brasil, mesmo os chamados “marginais”, sem grande divulgação, mas que representam a vontade do quadrinista de materializar sua criação, quer seja em zines, web-zines, fanpages, etc., se configurando um grande Universo Independente, com incomensurável potencialidade se bem gerido. Este livro virtual, hoje, tem pra mais de 2.000 downloads!

Saberia dizer quantos já foram catalogados até a publicação dessa entrevista?
Não sei ao certo... Tenho aqui uma infinidades de informações preciosas que vão desde 1907, como o Dr. Alpha, um astronauta brasileiro que fazia viagens interplanetárias e tinha um traje de sustentação vital (publicado no Tico-Tico), até os dias atuais... Talvez umas 600 pastas de arquivos. Na verdade acho que estou precisando de mais tempo (hahahahh!!)... Tenho que rastrear publicações antigas e acessar, por exemplo, bibliotecas de jornais, etc...


Dentre tantos personagens, apenas uma pequena parcela conseguiu ser publicada oficialmente e reconhecida pelos leitores. Isso tem a ver com a qualidade do material, publicidade, empatia ou o que?
É verdade... Mas isso tem a ver com a realidade e a fantasia. Muita coisa que temos no “Universo Independente” é um sonho. Poucos desses sonhos tornam-se realidade com o esforço hercúleo de produzir um quadrinho físico com todos os seus custos e ônus e ainda bancar a distribuição. Muito difícil... Temos bons roteiristas e bons desenhistas. Temos um dos maiores mercado do mundo para esta mídia impressa mas não temos organização e/ou oportunização a estes prováveis valores... A exemplo, muitos estão no mercado americano.


Você também cataloga personagens gringos da Era de Ouro no blog Golden Age. Porque?
Os comics foram meu berço, creio, como a maioria dos brasileiros. E esta paixão pelo quadrinho de um modo geral, extrapola! Comecei o blog com estes personagens gringos até para “chamar” a atenção dos web-leitores e depois criei um blog específico para os quadrinhos da Golden Age americana.

Você disponibilizou para download gratuito em teu blog uma coletânea com centenas de HQs do saudoso mestre Flávio Colin. Com certeza um dos trabalhos mais importantes em prol do resgate da HQ nacional.
Falta no Brasil um resgate à memória destes artistas que, podemos dizer, foram os desbravadores de nossa assinatura nos quadrinhos. Abrimos a série com Flávio Colin que é emblemático, cheio de brasilidade, inclusive no traço a lá “entalhe de cordel”, algo sui generis... É uma série free para mais de 5 volumes sobre ele. Tenho pra mais de 600 páginas pesquisadas/trabalhadas.  É mais um resgate e tributo a este autor maravilhoso que partilho sem nenhum custo aos amigos. Espero que um dia alguma editora e/ou editor possa nos possibilitar algo impresso, pois este meu trabalho é apenas de divulgação, sem qualquer outro compromisso que não seja a memória do artista.

Página de Julio Shimamoto.
Seria legal termos mais trabalhos assim com outros grandes nomes da HQB como Rodval Matias, Watson Portela, Edmundo Rodrigues...
Até penso em fazer e já tenho alguns arquivos separados do Júlio Shimamoto e conto com a ajuda do Alan Bispo e do Paulo Castilho, dois grandes amigos e possuidores de grandes acervos digitais. Aguardem!

De uns tempos pra cá os artistas da HQB começaram a desenhar cada vez mais para o mercado exterior, aprendendo novas técnicas e estilos. Na sua opinião, isso é bom para os quadrinhos nacionais?
Bom, muito bom! Temos valores pra exportar, o que nos credencia e nos possibilitaria, se bem gerido nosso mercado, mão-de-obra qualificada.

No teu Facebook você postou xilogravuras usadas na literatura de cordel. Já escreveu algum?
Especificamente cordel, não. As xilogravuras, bem antes, no tempo dos fanzines, eram fontes de inspiração para os contos e artes do vaqueiro semi-morto Sete Estrelas.

Desenhista, roteirista, catalogador e ARQUEIRO nas horas vagas! Conta pra gente como surgiu esse amor pelo arco e flecha.
Hahahaha!!! Saca o lance dos Poetas Mortos?! Pois é, erámos apenas três arqueiros em nossa cidade e nos auto-denominamos Sociedade dos Arqueiros Mortos. Éramos vidrados no Arqueiro Verde, e ainda hoje, quando nos encontramos, nos chamamos mutuamente de Oliver (ahahah!!!!). Infelizmente, um dos membros da Sociedade já foi para os campos verdejantes de caça...

Lancelott, fique a vontade para mandar um recado aos seus colaboradores e aos leitores do blog.
Bem, eu tenho uma grande dificuldade em conseguir informações, mesmo dos autores mais novos e vivos sobre personagens publicados (em qualquer mídia), e aproveito a deixa do TINTA NANQUIM para deixar meu e-mail, scanscomics@gmail.com, para os colegas me enviarem imagens, textos, releases e também contribuições sobre personagens antigos e obscuros de nosso quadrinho, que não são conhecidos do grande público.

Lancelott e a "prata da casa".
Ciente da importância do seu trabalho para o resgate e disseminação dos grandes nomes que fizeram e fazem a HQB, o Tinta Nankin agradece a paciência e dedicação com que você nos cedeu essa entrevista.
Na verdade, quem agradece sou eu. Sou apenas um aficcionado pela Arte Sequencial Brasileira, mesmo as denominadas marginais (publicadas nos fanzines, zines, web-zines, independentes e autorais) e as oficiais, publicadas em mídias de grande circulação. Acho pertinente este trabalho do TINTA NAQUIM pelo amigo Rom Freire, que também mostra a cara do Brasil e tributa neste formato um grande preito de gratidão aos autores, desenhistas, escritores, roteiristas, pesquisadores e fãs. Obrigado pela oportunidade!

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* Joacy Jamys foi um quadrinhista, cartunista e fanzineiro de grande projeção no Brasil e no mundo. Morreu em 2006, vítima de um AVC. Mais detalhes sobre ele aqui.

E-mail de contato: scanscomics@gmail.com.